Me lembro bem de passar pela Praça Coronel Pedro Osório, quando criança, e ver a construção do prédio em frente a estátua do coronel. Obra a toque de caixa, com a estrutura erguida rapidamente, era o progresso chegando. Mas o tempo passou e a obra, como sempre, parou. O coronel ficou ali, olhando, como se dissesse para a obra: "bem feito", com o amargor típico do pelotense, que insiste em denegrir qualquer coisa que faça o próximo obter algum reconhecimento. Mais tarde, eu comecei a passar as tardes naquela praça, sentando em volta daquela estátua junto com meus amigos. Drogas, álcool, violão e o rock and roll. Muita gente se reunia ali, era o point daquela gurizada. Os de preto, como éramos chamados. Ali, na volta daquele monumento, fiz as melhores amizades da minha vida, comecei a viver, realmente. Os transeuntes nos olhavam com reprovação. Não raro, na época da Feira do Livro, tentavam correr a gente dali, com abordagens policiais, espandindo a feira para a nossa posição estratégica e todo o aparato retrógrado de cidade provinciana. Porém, não conseguiram. Ficávamos ali, fazendo companhia as prostitutas, criando lendas, fazendo história, o Coronel era nosso. Algum tempo depois, tiraram os bancos daquela região, o que só fez com que a gente se aproximasse mais da estátua, que oferecia assentos de primeira categoria. Lembro bem de uma vez, em que alguns "revolucionários" numa tentativa de pixar o monumento, foram corridos da praça pela tal gurizada de preto, porém em alguma madrugada eles o fizeram. O coronel não se abateu, ficou ali, com sua mão no bolso, como se estivesse pronto para tirar um maço de dinheiro para dar de gorjeta para algum garçon ou flanelinha. A obra parecia não gostar de toda aquela agitação em torno daquela estátua velha, símbolo da aristocracia latifundiária pelotense. A obra era o novo! Aqueles jovens cabeludos, de roupas escuras, que passavam o dia a conversar sobre música e festas, deveria se concentrar dentro da obra, caso não tivesse sido abandonada, o Coronel apenas ria e continuava com a mão dentro do bolso, em desafio a obra: "precisas de dinheiro para crescer? eu pago, é só me pedir".
Numa tarde temporal, a obra se irritou, começou a jogar pedaços de pau, pedras e ferros em direção ao coronel, que se manteve imóvel. A policia nos tirou dali, fiquei dentro do fliperama da esquina, vendo a briga, E que briga!!! A obra tentou te todo o jeito acertar o coronel, mas não conseguiu. O coronel não revidou, ficou na sua mesma posição, imóvel, estático, com o velho sorriso no rosto e a mão no bolso.
Certo dia, foi noticiado que a praça e o chafariz entrariam em reformas. Poucos dias depois, a praça foi fechada com tapumes de madeira e cercas. Ficamos perdidos, sem termos pra onde ir, mas pelo menos tinhámos a esperança que o nosso lugar ia ficar melhor, mais aconchegante. Demorou, muito, mas a praça ficou "pronta", mas não tinhámos notado nada de diferente, a não ser o chafariz pintado. O calçamento continuava ridículo, os bancos seguiam quebrados e o coronel ali, sujo, pixado mas mesmo assim imponente. Um poeta urbano da época chegou a escrever uma canção que dizia:
"Mais de quinhetos mil real, pra passar no chafariz uma mão de cal. Com o pó que sai do chafariz, o prefeito da cidade entupiu o nariz." Mal ou bem, eles conseguiram acabar com o nosso ponto, o tempo passou, todo mundo começou a fazer alguma coisa e começou a perder as tardes livres, de conversas, tragos e violões. O coronel continua ali, olhando desdenhosamente para a obra, assim como as velhas que passavam pela passarela da praça, olhavam aqueles garotos que habitavam a praça durante as tardes pelotenses. Bons tempos, boas coisas.
*post inspirado na foto, tirada por rafael takaki : http://www.flickr.com/photos/rafael_takaki